terça-feira, 28 de junho de 2011

Entrevista do Diretor Charles Moeller ao Blog Infinitivamente Pessoal

O Blog Infinitivamente Pessoal publicou na última sexta-feira, 24/06, uma entrevista com o diretor Charles Möeller.

Leia a entrevista na íntegra abaixo:


Ator, autor, diretor, figurinista, cenógrafo e pessoa querida, Charles Möeller é o entrevistado que fecha a coluna Toda Sexta tem Entrevista do mês de junho. Ao lado de Cláudio Botelho, Charles construiu dentro do cenário do teatro musical um nome de respeito e peso. É impossível pensar no cenário do teatro musical brasileiro, como ele é hoje, sem lembrar de Charles e Cláudio.

Um rapaz com DDA e Dislexia que inventava as histórias dos livros que lia tornou-se um dos maiores diretores de teatro do mundo, vide que Stephen Sondheim é fã confesso da dupla. Charles já dirigiu espetáculos que ficaram consagrados, dentre eles os atuais Hair e Um Violinista no Telhado. Portanto, que venha a entrevista, onde o diretor fala um pouco sobre sua carreira, sobre o cenário musical brasileiro, os medos e receios de se montar um musical e as dificuldades que enfrenta ainda hoje no Brasil!

Bruno Cavalcanti: Ator, diretor, autor, cenógrafo e figurinista, uma relação basicamente completa com o teatro. Como teve início esse seu fascínio pelo teatro?


Charles Möeller: Desde muito pequeno. Acho que o teatro me escolheu! Me lembro claramente quando tinha 4 anos, minha mãe me levou pra assistir no teatro uma adaptação de Quebra Nozes e entrei num surto, queria assistir todas as apresentações, só falava naquilo, e minha mãe sagazmente , me colocou em todas a peças infantis da escola, e eu era uma criança meio maluquinha pois tenho DDA e sou Disléxico, inventava personagens pra mim e tinha uma dezenas de amigos invisíveis, então durante um longo período vivia muito mais num mundo que eu criava do que na realidade… Aliás, a realidade sempre foi uma pouco distorcida pra mim! Nas salas de aula todos liam o mesmo livro, quando eu contava o que tinha lido era sempre chacota, pois tudo pra mim era muito maior e mais colorido e mais dramático, sempre fantasiei muito tudo! Me lembro claramente de quando eu dissertei sobre os 12 trabalhos de Hercules, quando tinha 9 anos de idade, minha professora de português e literatura me disse: “Charles, achei linda essa historia, muito criativa, vou te dar um dez por isso pois vi o quanto você gostou do livro, mas o Hercules já teve muito trabalho com 12, na sua dissertação tem 18 trabalhos!”, ou seja eu inventei 6 a mais. Ainda sou assim… Em leitura sou quase coautor! (risos). Gosto de viver de mentirinha. A realidade é massacrante. A arte é o subjetivo da vida


BC: Você construiu uma carreira sólida e respeitável ao lado do Cláudio Botelho no cenário do teatro musical. No entanto você também já havia construído seu nome como figurinista e cenógrafo. Como estes mundos (da cenografia, figurino e direção) se uniram para refletir no seu trabalho?


CM: Minha relação com cenário e figurino veio da minha formação de dois anos de arquitetura. Quando estava no CPT (Cia do Antunes filho) me candidatei para uma vaga de assistente de cenografia e figurino com o JC Serroni e fiquei sendo assistente dele por três anos! Sempre tive muito fascínio por tudo em teatro, essa minha carreira que foi bem solida durante anos com muito prêmios até, me deram muita base pra ser tão detalhista como diretor e saber exatamente o que pedir pro meu cenógrafo e figurinista (Rogerio Falcão e Marcelo Pies). Sei exatamente o que falar com um cenotécnico , conheço tudo de caixa preta varando, sei solucionar problemas de execução e falo de tecido e corte com costureiras sem medo! Sei que sou exigente com eles, mas sei que sou fácil também, pois sei do ofício deles e posso traçar ideias de igual pra igual! O Marcelo Pies sempre brinca: como é fácil falar com você, pois você sugere até tecido! Sou um esteta e encenador, essas coisas correm juntos na minha cabeça. Mas não tenho mais paciência pra só fazer cenário e figurino, meu trabalho hoje é dirigir!


BC: Como começou sua parceria com Cláudio Botelho?


CM: Uma coincidência cósmica, quando eu tinha 19/20 anos fazia um novela com Miguel Falabella, e um dia ele me convidou pra assistir uma ensaio da peça que ele estava dirigindo com o Ítalo Rossi e com um garoto muito talentoso que tocava violão e cantava composições próprias. Saímos do ensaio e fomos jantar e só falávamos de musical a noite inteira e já se passaram 20 anos e ainda continuamos falando.


BC: As Malvadas, o primeiro musical da dupla. Fale um pouco sobre esse projeto. Como foi ter essa recepção tão positiva da crítica e do público?


CM: Foi a primeira vez que assinamos como dupla, mas já estávamos na estrada um tempo. Foi ato de coragem e até de arrogância juvenil. Minha estreia como autor de teatro com roteiro musical e versões do Claudio, que ia de Stephen Sondheim a Sidney Magal! N’As Malvadas lançamos cantoras incríveis que estão até hoje ai… Recebemos críticas unanimes e até o premio Sharp de melhor espetáculo daquele ano, isso nos deu muito gás para continuarmos.


BC: Você e o Cláudio optaram por produzir exclusivamente musicais. Por que essa preferência pelo teatro musical e não o teatro dito “convencional”?


CM: Somos de musical, esse é nosso ofício. Acho estranho quem transita por todos os gêneros. Não saberia fazer! Sempre ia me dar a impressão de que está faltando alguma coisa! Sou atleta deste ofício.


BC: Qual o critério para que você como diretor se encante por um musical e queira montá-lo?
CM: Minha paixão é pela música do musical e pelo libreto! Tem que ter esse casamento, se a música ou a história não me tocam mutuamente, não monto.


BC: Agora falando da parte técnica. Qual a maior dificuldade em se produzir um musical no Brasil ainda hoje?


CM: Os teatros não têm infra ainda! Temos 2 ou 3 palcos capazes de suportar a estrutura de um clássico como Um Violinista no Telhado, por exemplo, no eixo Rio-SP!


BC: A Noviça Rebelde, um clássico dos clássicos. Não houve certo receio em montar um espetáculo que está já no imaginário popular?


CM: Eu não tenho receio de nada! Faço aquilo que amo e me toca. Nunca tive medo! Se a gente vive com medo a gente paralisa.


BC: Ópera do Malandro, um clássico brasileiro que veio se perdendo na memória popular. Como surgiu essa ideia de remontar este espetáculo?


CM: Queríamos fazer algo grande e de impacto popular na Praça Tiradentes, que estava às moscas e escura, abandonada mesmo, as pessoas tinham medo de ir para o centro a noite! Quando recebemos o convite de estrear um espetáculo no Teatro Carlos Gomes na época de diretores artísticos, na gestão dos teatros da prefeitura! Todos conheciam as musicas, mas tinham perdido o contato com a obra. Achei que seria um bom casamento colocar o malandro na PRAÇA (Tiradentes) outra vez e, apesar de muitos (quase todos), acharem que seria um tiro no pé ficamos com o espetáculo por três anos em cartaz, revitalizamos a praça que voltou a ser iluminada e até pipoqueiro e cambista tinham, e fizemos duas turnês pela Europa com o maior sucesso.


BC: Avenida Q e O Despertar da Primavera foram dois musicais fortes de uma ótima aceitação do público, mas com temas polêmicos e ainda hoje um tanto controversos. Como foi trabalhar com estes dois espetáculos? Houve algum receio de montá-los?


CM: Nem um pouco, eu como artista tenho o dever e direito de quebrar os tabus! Com o Hair também foi assim e esses espetáculos me trouxeram a plateia jovem.


BC: 7 – O Musical, o espetáculo mais autoral da dupla e um dos meus favoritos. Fale um pouco desse espetáculo. As experiências, proporções e a possibilidade de ele ganhar as telas de cinema.


CM: O 7 é nosso musical fetiche , e só tivemos alegrias com ele, é o musical que menos me deu dinheiro, mas é o que me deu mais orgulho, por ser uma criação total, ver minha historia num palco é se ver, se expor, ver sua voz mais interior, era deslumbrante, tão soturno , mágico, num Rio de Janeiro nevando, com feitiços e sortilégios, com músicas compostas pro meu imaginário, não tem preço! É o espetáculo mais premiado da minha carreira e temos varias propostas dele ir parar no cinema! E vamos filma-lo em algum momento.


BC: E 7 parece que ganhará uma cria. Verônica 13. Você pode falar sobre esse espetáculo? Pode me dar uma exclusiva?


CM: O 7 é a primeira parte da trilogia. Veronica ou 13, não é uma continuação é mais é uma cria com o mesmo universo Rodriguiniano que me fascina. Se passa nos anos 50 num Rio de Janeiro nublado e sombrio. Laura na véspera do seu casamento com Pedro se descobre apaixonada pelo irmão dele, Frederico, e envolvida num plano de assassinato, é uma historia de twists e reviravoltas envolvendo, maldições, mortes, vinganças, juras de amor, fantasmas, e um crime nunca explicado na família! Um jogo de amor e azar, por isso a referencia do número 13, uma ciranda de paixões: Pedro que ama Laura, que ama Frederico que ama Verônica que ama Pedro, Frederico e Laura que é amada por Leticia… E assim vai!


BC: Ada Chaseliov e Ivana Domenico são as duas atrizes que mais protagonizaram espetáculos da dupla “Möeller e Botelho”. Qual sua relação com ambas?


CM: Duas amadas, queridas, talentosas! Ada já era minha amiga antes de eu me tornar diretor e é até hoje uma irmã! Mas temos outros nomes que sempre trabalho, como Sabrina Korgut, Gottsha, Alessandra Verney, Renata Ricci, Alessandra Maestrini, Kiara Sasso, Dudu Sandroni, Renato Rabello, Eduardo Galvão, agora a tão jovem Malu Rodrigues, que já esta na sua quarta peça comigo, e tantas outras e outros! Sou como um cachorro fiel, quando gosto, quero ter perto! Funciona como talismã, e ter pessoas que já trabalharam comigo perto é muito bom, pois eles educam os que estão entrando!


BC: E o Charles como público? Qual seu musical favorito?

CM: Sou como o premio Tony, todo ano elejo os que mais gostei, mas nos últimos anos ninguém ainda tirou o brilho de Billy Elliot!



BC: E o que você gosta de ler, ouvir, assistir?


CM: Leio coisas bem variadas, no momento estou lendo um livro lindo do Philp Roth chamado A Humilhação, mas quando estou no processo de trabalho procuro mergulhar a fundo no mundo que estou tratando! No Hair fiquei emergido em literatura Beatnik , ouvindo rock psicodélico, mantras orientas, fui fazer Yoga, tudo pra ter esse olhar pra peça, gosto assim, gosto quando a peça transforma meu dia a dia, inclusive fisicamente! Para o Violinista ganhei um livro de contos do Historiador, Michel Guermam, sobre perolas da literatura Judaica e li praticamente todo Sholem Aleicheim! Para As Bruxas de Eastwick já estou lendo The Witches of Eastwick, de John Updike, o livro que deu origem ao filme e ao musical e The Windows of Eastwick, uma espécie de conclusão que ele escreveu 24 anos depois! Escutar vou te revelar um segredo em primeira mão: quando não estou trabalhando não escuto musica nenhuma, descanso meus ouvidos, detesto musica até no carro, em casa nunca toca nada, pois passo o às vezes 12 horas por dia escutando musica quando trabalho, e trabalho emendando uma musical no outro nos últimos dez anos… Se estou em casa e não estou estudando ou trabalhando é o silêncio que reina!


BC: Charles Möeller como ator. Você já fez algumas novelas além de ter atuado em outras peças. O Charles ator pode voltar a dar as caras nos palcos ou nas telas?


CM: Às vezes tenho muita vontade, tenho até alguns planos, mas não sou daquele que meche em time que esta ganhando! Mas nunca digo nunca!


BC: Gypsy, o musical perfeito. Fale um pouco da experiência de montar um dos musicais mais difíceis da Broadway (que, não por coincidência, é o meu favorito!).


CM: Eu amo a peça! Demoramos 3 anos pra levantar dinheiro pra produção, era o papel certo para Totia (Meirelles – que viveu Mamma Rose) e para Adriana (Garambone – que viveu Gypsy Rose Lee), e o fantasma de ser o musical mais difícil e perfeito de todos os tempos me excitava muito, pois ele é quase um roteiro de cinema , um plano sequência que dura quase duas décadas! Amei cada segundo, foi um sucesso incrível e colocou a Totia no patamar de primeira atriz de musical! Lançou o André Torquarto! Mas falavam a mesma coisa do Violinista também, e olha ele aí com Zé Mayer arrebentando com todas as críticas dizendo ser o melhor trabalho da minha carreira e da carreira dele: Não tenho medo desses mitos do maior, ou mais difícil ou mais perfeito! Quero sempre que seja o mais emocionante.


BC: E a emoção de ter Sondheim em sua plateia…


CM: É um dia único e com certeza, mudou a minha trajetória, e passei para um outro lugar na minha carreira, ele estava com Sir Cameron Mackentosh , o maior produtor de musicais do mundo, e fez questão de ir no intervalo falar com elenco, e até hoje escreve a mão bilhetes muito amáveis nas nossas estreias, temos essa honra e isso mudou o nosso rumo! Passamos pelo crivo de Deus, tivemos críticas incríveis na (revista) Sondheim Review, abriu portas dos escritórios de direitos internacionais.


BC: Para encerrar me diga: Charles Möeller por Charles Möeller. E uma música, uma citação, um poema, frase, qualquer coisa, para fechar.


CM: Falo sempre esse poema pra todos os meus elencos e acho que é que permeia minha vida e meu trabalho de diretor:


“O olho do homem é feito de modo que se lhe vê por ele a virtude. A nossa pupila diz que quantidade de homens há dentro de nós. Afirmamo-nos pela luz que fica debaixo da sobrancelha. As pequenas consciências piscam o olho, as grandes lançam raios. Se não há nada que brilhe debaixo da pálpebra, é que não há nada que pense no cérebro, é que não há nada que ame no coração”.

Victor Hugo




Por Bruno Cavalcanti – Blog Infinitivamente Pessoal.

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